17 de mar. de 2008

Em: BEIGUELMAN, G. . Está chegando a cultura cíbrida. Trópico. 22 maio 2003. Disponível em: http://pphp.uol.com.br/tropico/html/textos/1634,1.shl. Acesso em: 05/03/08.


Para Giselle Beiguelman (2003), corpo humano é uma extensão do mundo cíbrido que é pautado pela “interconexão de redes e sistemas on e off line”, uma vez que o padrão de vida passou a ser nômade através das tecnologias sem – fio. Esse corpo acaba se transformando em uma “interface entre o real e o virtual, nos direcionando para um processo de “ciborguização” irreversível sem que isso denote que nos tornaremos equipamentos de carne obsoletos”.

Esse corpo é, ao mesmo tempo, descaracterizado pelo digital, mas também é duplicado telepresença e presença física. E para a autora é justamente essa duplicidade que interessa entender.

Trata-se agora de refletir sobre a recepção em ambientes de constante fluxo, em condições entrópicas, onde o leitor está sempre envolvido em mais de uma atividade (dirigindo, olhando um painel eletrônico e falando ao telefone, por exemplo), interagindo com mais de um dispositivo e desempenhando tarefas múltiplas e não-correlatas.

Criar para essas condições implica, por isso, repensar as condições de legibilidade e as convenções e formatos da comunicação no âmbito de práticas culturais relacionadas à ubiqüidade, ousando questionar se de fato rumamos para a tão alardeada convergência de mídias, ou se, ao contrário, o que se impõe é um cenário de leitura distribuída em inúmeras mídias (celulares, painéis eletrônicos, rádios, entre outras), respondendo às demandas pontuais de um leitor em trânsito permanente. (BEIGUELMAN; G., 2003)

Giselle (2003) cita o projeto Bits on Location, de Aram Bartholl:

O projeto inverte a relação corrente entre conteúdo e interface, mapeando os inúmeros pontos de conexão existentes numa cidade do século 21. Lendo a cidade com mídia (no caso, Berlim) e o espaço urbano como interface, Bartholl pesquisa o potencial de interconexão entre redes on line e off line que já se projeta hoje nos centros globalizados, aproveitando os dispositivos de comunicação sem fio como farejadores das informações distribuídas entre ruas e avenidas. (BEIGUELMAN; G., 2003)

Essas informações seriam obtidas através dos Smartphones e permitiria a comunicação entre os usuários e com o centro de dados dos espaços públicos e privados. Isso seria uma possiblidade de resolver “problemas práticos, como fazer compras, pesquisar preços e produtos nos supermercados ou encontrar o melhor caminho, comunicando-se com a central de trânsito, ou com outros usuários do sistema”, afirma Gisele (2003).

O interessante do modelo desenhado por Bartholl é que ele não prevê um órgão centralizador administrativo. Antes, parte do pressuposto que as cidades contemporâneas já funcionam baseadas em sistemas de redes que tendem a gerar mais e mais uma massa residual de dados com a expansão das WirelessLan e, conseqüentemente, dos serviços wireless. (BEIGUELMAN; G., 2003)

Essa massa permitiria um aproveitamento mais eficiente dos milhões de dados que circulam através dos fluxos informacionais. Essa organização se daria por meio de comunidades wireless que possibilitariam a conexão, dentro de um determinado raio, entre os usuários.

Tudo indica que veremos brevemente surgir a necessidade de urbanistas especializados em organizar o racionalmente a distribuição de dados. Enquanto isso não acontece, pode-se ainda divertir-se com a realidade do espaço informacional que nos rodeia babelicamente. (BEIGUELMAN; G., 2003)

Casos citados pela autora:

É o que fazem Julia Guther e Jakob Lehr com seu hilário n:info que também lida com a cidade como dataspace passível de ser personalizado pelos seus usuários. Trata-se de uma espécie de antilente de aumento, pois baseia-se em uma tela inteligente que permite aos seus usuários retirar do campo de visão os elementos da paisagem urbana que não lhes interessa ou de que simplesmente não gostam. Basta apontar o dispositivo e deletar o excesso de informação circundante.

Ainda na linha do nem tudo que é sério é chato, é bom recordar do Imon, um dispositivo para maníacos que confundem, ainda, a tela do computador com a internet. É um browser para ser utilizado em situações off line. Tudo o que se tem a fazer é imprimir o modelo disponível no site, recortar, aproximá-lo de qualquer objeto ou situação off line e brincar de navegar sem-fio pelo dataspace. Pronto, para quem ainda não entendeu que a internet não é um epifenômeno do computador e que a interface não é um atributo da tela, é um aparato mais que suficiente.

Sarcasmo à parte, vale mencionar outro aplicativo desenvolvido por Jakob Lehr, o m-Disco, que reflete sobre novos formatos de organização da informação, porém explorando seus potenciais comunitários. Nesse caso, trata-se de uma ferramenta para dispositivos móveis, alimentada por dados sobre o perfil de seus usuários, cuja finalidade é permitir o encontro entre pessoas com interesses semelhantes.

É básico, obviamente, para o sucesso de uma operação como essa, que a discussão não se esgote na solução técnica, como a organização e disponibilização dos dados dispersos na malha urbana em sistemas P2P (pessoa a pessoa) que rege o Bits on Location, mas sim tecnológica, explorando o intrincado território da inteligência coletiva a que pensadores como Pierre Lévy, Michel Authier e, no Brasil, Rogério da Costa e André Lemos vêm se dedicando sistematicamente.

Em síntese, o que o m-Disco faz ou o que está por trás do potencial sucesso do Bits on Location, é o fenômeno característico das comunidades virtuais que se organizam momentaneamente por sistemas de agentes inteligentes dispersos em diferentes redes de informação, distribuídos em vários sistemas de comunicação conectados ao corpo ou não, mas sempre conectados entre si em configurações provisórias.

Nesse sentido, é importante chamar atenção para projetos como o C-Watch, das pesquisadoras Anne Katrin Konertz e Camilla Hager, que reinventa o tradicional walkman no âmbito das práticas de sampleagem e compartilhamento que se consolidaram depois do sucesso do Napster.

Trata-se de um relógio de pulso, integrado a um computador com conexão via tecnologia bluetooth2, que não só permite escutar música, mas ouvir as músicas que outros portadores do C-Watch estão escutando e trocar faixas musicais com eles.

Referenda-se aí o contexto de mixagem do dataspace que não só emaranha profundamente as dinâmicas que enunciavam a figura do autor, ao mesclá-la a do recepctor/interator, como reconfigura a noção e a idéia de autoria por processos de conexão e linkagem, que, a um só tempo, operam sua fragmentação e sua união a de outros autores correlatos ou não. (BEIGUELMAN; G., 2003)

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