17 de mar. de 2008

Em: BEIGUELMAN, G. . Coleiras Digitais. In: BEIGUELMAN, G. Link-se – arte/mídia/política/cibercultura . – São Paulo: Peirópolis, 2005. Cap. 3, p.122 – 128.

Formas de vigilância ‘invisíveis’, sem o confinamento previsto por Michel Foucault durante os estudos da sociedade disciplinar, é o tema do artigo da teórica Giselle Beiguelman.

No início, apresenta-se as modernas formas de vigiar utilizadas pelos pais para proteger seus filhos. Webcam em berçários estão ficando comuns no mundo tudo, inclusive nas capitais brasileiras como São Paulo e Rio de Janeiro. E comuns estão também discussões para otimizarem o uso do celular a favor da vigilância e segurança dos pais para com seus filhos. O que a autora discute é onde os valores se encaixam nessa discussão.

Desenha-se aí um sistema maluco, em que cuidar se torna sinônimo de invadir a privacidade alheia, sem que se avente qualquer possibilidade de lutar contra a violência a não ser tornando-se cúmplice de sistemas de vigilância que se espalham capilarmente pela sociedade para além de qualquer arbítrio do Estado e da comunidade. (p.123 )

A vigilância da sociedade do controle, prevista por Gilles Deleuze, em 1990 começou se manifestando através de estratégias virtuais aplicadas por grandes empresas, como os satélites, radares, câmeras ocultas e cartões magnéticos. Hoje a vigilância é muito mais íntima, pessoal, doméstica. O corpo humano se transforma “em próteses dos aparatos de segurança, como fica evidente com a popularização de novos sistemas de identificação e monitoramento sem fio”. Prova disso são as etiquetas RFID (Radio Frequency Identification) que transmite dados digitais do suporte onde é aplicada. Em matéria do Jornal Nacional (dia 27/02) foi noticiado que brevemente essas etiquetas serão aplicados nos produtos de supermercado. A notícia foi totalmente favorável a mais essa intromissão da tecnologia no dia-a-dia do consumidor.

RFID plays a pivotal role in joining the physical world with the digital. An object tagged with an RFID chip has a unique digital identity. Any kind of online data can be linked to these unique ID's. Here is where the real world and the internet become two faces of the same reality. Things go online, in other words, an internet of things evolves. [1]

Voltando ao texto, Beiguelman conta o caso da empresa mexicana Solusat que foi a primeira a distribuir um dispositivo subcutâneo para identificação digital e localização via ondas de rádio chamado VeriChip da da norte-americana Applied Digital Solutions (ADS). A Solusat assinou uma parceria com a Fundación Nacional de Investigaciones de Niños Robados y Desaparecidos e doou 25 Verichips para auxiliarem nos casos de seqüestros. A empresa mexicana vai receber em troca ajuda para desenvolver um programa de distribuição das etiquetas para polícias, hospitais, dentre outros lugares,

Os produtos têm o tamanho de um grão de arroz e cada um deles dispõe de um número de identificação específico. É colocado no corpo da criança e pode ser ativado por um instrumento de leitura (um scanner) que estimula o chip implantado. O chip então emite, por radiofreqüência, a informação que contém. O leitor transcodifica esses sinais no número de identificação desse chip e o envia ao computador servidor do sistema, que o associa aos seus dados arquivados, garantindo a eficiência da identificação e do monitoramento remotos. (p. 125)

A companhia mexicana também apresentou ao mundo o VeriPay, dispositivo que permite que o cartão de crédito seja aplicado no corpo dos indivíduos e o pagamento efetivado através de sinais de rádios.

Os críticos do projeto não só denunciam o quanto esses sistemas transformam os seus portadores em bancos de dados abertos ambulantes, que fornecem informações precisas às empresas de que são clientes sobre seus hábitos e comportamento, muitas vezes de forma involuntária, mas também apontam, paradoxalmente, a sua insegurança: os cartões poderiam ser clonados por leitores não-oficiais. (p. 126)

O artista Drew Hemment apresenta a história do Baja-Beach Club, uma espécie de boate em Barcelona, que implanta os VeriChips (lá denominados VIP VeriChips) nos seus freqüentadores.

Punters were invited to have the VIP VeriChip (the same kind of chip injected under the skin of pets) injected under their skin. Just by having your arm scanned, you can be recognised as a VIP, skip the queues at the door and pay for your drinks at the end of the night. [2]

Hemment entrevistou Conrad Chase, dono do clube, que se justifica explicando que a aplicação da etiqueta faz com que as pessoas se sintam únicas. E assegura que o clube não retém informações pessoais de quem se sujeita aos VIP VeriChips.

The VIP Chip is the size and shape of a grain of rice, its miniaturised electronics encased in glass. It is injected under the skin by a qualified nurse in day-time clinics at the club. Since its launch at Baja Beach Club around 30 people have had the chip implanted. The chip is a radio frequency identification device (RFID) encoded with a unique verification number that can be read by an external scanner. It carries no power source and under normal circumstances lies dormant under the skin. But when a scanner is passed over it the chip is energised by radio frequency energy and it transmits the unique number in a low-range radio frequency signal. The number is an abstract digital marker, but by matching it against a database the identity of the chip (and so, by implication, the bearer) can be verified and information about the object (or person) in which it is embedded accessed. The benefits advertised by Baja Beach Club include no lengthy waits in queues, exclusive access to the VIP area, and a way to buy drinks without cards or change.[3]

Ao final do texto Giselle Beiguelman alerta sobre a dimensão política dessas novas tecnologias. O ser humano passou a ser uma simples ferramenta para a implatação da tecnologia, o que vai muito além da idéia do ciborgue.. Os corpos não são mais vistos como possibilidades de se tornarem metade humanos, metade digitais; já são encarados como potencialidades tecnológicas.

As tecnologias de produtividade e vigilância hoje se relacionam com o corpo humano sem estabelecer vínculos ciborgues, do tipo dos marca-passos ou das próteses de silicone. Trata-nos como mero alojamento necessário, que nos reduz à condição de dispositivo que participa da cadeia de seu funcionamento, desfazendo qualquer analogia com a estrutura fisiológica humana. (p. 127)

Foucault falava em princípio da biopolítica como “tecnologia de poder que se efetiva pelo controle da proporção dos nascimentos e óbitos, a taxa de reprodução e de fecundidade... (p. 127)”. Hoje a idéia de corpo social é substituída “pela de conjuntos de inputs mapeáveis por empresas que produzem tecnologias versáteis, como as baseadas em rádio-freqüência.(p.127)”

Mais do que o esvaziamento dos poderes públicos, esse quadro denuncia a passagem da sociedade da norma, em que se entrecruzam o sistema penal e os regimes disciplinares, à sociedade de controle, onde tudo e todos passam a funcionar como agentes de poderes modulares, constituindo um informe corpo corporativo que substitui a noção de indivíduo e de coletividade pela do dado escaneável. (p.127)

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